domingo, fevereiro 25, 2007

Vale a pena pensar nisto

A propósito do post anterior, ocorreram-me mais umas quantas reflexões.

Para além da questão das horas de trabalho efectivas, pergunto-me quantos funcionários de uma empresa ou mesmo de uma entidade pública pagarão do seu próprio bolso (por vezes recorrendo a crédito) computadores e outros equipamentos essenciais para o exercício da sua actividade profissional?

No entanto, vejo cada vez mais professores a fazer isto. Eu próprio tenho-o feito!

Mais recentemente, vejo professores adquirirem computadores portáteis, que têm a vantagem de poderem usar no local de trabalho, onde têm de passar cada vez mais tempo, apesar de disporem de poucas condições para aí trabalharem (a começar pela falta de computadores em número e condiçoes suficientes para trabalhar).

Isto para não falar no extremo de imprimirem em casa os materiais para dar aos alunos, porque a escola não tem verbas suficientes para tal!

Não faz sentido, muito menos que se encare esta situação como natural.

Afinal, os profissionais são pagos para trabalhar. As condições e equipamentos para tal têm de ser fornecidos pelo empregador (seja público ou privado). Ou então devem ser renegociadas as remunerações, não é?

Trabalhar as horas que nos pagam

Um artigo do Guardian noticia recentemente:
"Teachers and lecturers typically work more than 11 hours of unpaid overtime every week - more than any other professional group, according to a survey."
Calculo que a situação em Portugal não será muito diferente... A consequência é importante:
"If they were paid for their regular overtime they would be taking home almost an extra £10,000 a year".
Dito de modo mais claro, quem trabalha as 11 horas extra por semana sem receber pagamento de horas extraordinárias está a perder 10 000 libras por ano (são cerca de 15 000 euros!).

Para além das consequências meramente financeiras, há outras, eventualmente mais importantes, em que convém pensar. Por exemplo:
Over five million people at work in the UK regularly do unpaid overtime, giving their employers £23 billion of free work every year. If you're one, why not take some time to reflect on how well (or badly) you're balancing your life?
Esta pergunta está numa página de Internet citada pelo artigo do Guardian, intitulada Work Your Proper Hours Day.

Vale a pena ler! É divertido e informativo.

É uma ideia que deve ser levada a sério pelos professores de todos os níveis de ensino, principalmente quando o governo português pretende fazer crer à opinião pública que os professores trabalham pouco e mal e até são muito bem pagos!

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Avaliar o governo

Foi divulgado hoje, pela Assembleia da República (AR), o resultado da avaliação do grau de execução das leis pelo actual governo. Note-se que o relatório abrange exclusivamente a actividade legislativa deste executivo (de 10 de Março de 2005 a 31 de Dezembro de 2006).

O resultado é vergonhoso: apenas 11 das 30 leis que carecem de regulamentação foram efectivamente regulamentadas.

Eficácia: 37%. A eficiência nem me atrevo a calcular...

Pode mitigar-se um pouco estes números com a atenuante de que foram parcialmente regulamentadas mais 5 leis. Mesmo assim, dá apenas 16 em 30, i.e., uma eficácia (incompleta...) de 53%.

No entanto, como diz o próprio Presidente da AR, citado pelo Público, “Mas temos de ser completamente eficazes, [a regulamentação das leis] é um ponto onde temos de ter taxas a cem por cento”.

De facto, assim deveria ser, porque, como é dito no próprio relatório: "muitas leis só têm efeitos práticos na vida dos cidadãos se forem objecto de regulamentação por parte do Governo, processo que a Assembleia deve acompanhar."

Convém ainda realçar que esta actividade depende só do próprio governo.

Em resumo:
Esteve bem a AR, ao tornar público este importante relatório.

Está muito mal o governo, que tanta ênfase gosta de colocar na eficácia (e até na eficiência), mas que chumba vergonhosamente, revelando enorme ineficácia numa componente essencial da função governativa, que é a regulamentação atempada da legislação.
Gostaria agora de ver o governo aplicar aos seus agentes (manifestamente ineficazes, para não dizer incompetentes) medidas idênticas às que pretende aplicar aos restantes sectores da administração pública. É que o governo também faz parte da administração pública.

Portanto, espero ver as pessoas responsáveis, mediante os resultados desta avaliação, ser penalizadas na sua avaliação de desempenho, com consequências adequadas na sua remuneração e progressão na carreira, para não falar na eventual necessidade de os... despedir.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Ensino do Português em Cambridge

Circula na Internet um apelo para assinar uma petição para tentar impedir que a Universidade de Cambridge feche o curso de língua portuguesa que lá existe.

Não deixa de ser interessante que, no mesmo dia em que tomei conhecimento disto, fiquei a saber, através do Guardian, que há quem se preocupe na Grã-Bretanha com o declínio do número de cursos de línguas modernas nas universidades.

Curiosamente o relatório da University and College Union (UCU) reporta-se apenas aos cursos de Alemão, Italiano e Francês.

Factos:

O Italiano é falado por entre 60 e 70 milhões de pessoas (mais ou menos o mesmo número dos que falam turco ou urdu) e é língua oficial na Itália, Suiça, San Marino, Eslovénia, Somália (língua regional), Vaticano e na região de Istria (Croácia).

O Alemão é falado por entre 100 e 110 milhões de pessoas e é língua oficial na Áustria, Bélgica, Dinamarca (South Jutland), Alemanha, Liechtenstein, Luxemburgo e Suiça.

Mesmo o Francês é apenas falado por entre 70 e 100 milhões de pessoas.

O Português, por seu lado, é a 5ª língua mais falada no mundo (por 230 milhões de pessoas) e é língua oficial em Angola, Brazil, Cabo Verde, Timor-leste, Guiné-bissau, Chinese S.A.R. of Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe.

Só por esta razão deveria ser importante, tanto para os britânicos como para os portugueses, defender e até fomentar o ensino do Português.

Uma citação duma responsável da UCU, no acima referido artigo do Guardian, deveria, no entanto, fazer-nos reflectir também sobre o estado do ensino e investigação das línguas nas nossas universidades:
"The widespread closure of modern language courses is leading to students facing restricted choices if they want to study languages. We need to be encouraging future linguists, especially as future researchers and teachers. Without those teachers we will witness a terminal decline in students studying languages, which will damage our civil society and impact on how we interact with the rest of the world."
Convém não esquecer que nem só da língua inglesa vivem as relações internacionais...


NOTA: há alguns problemas com a contabilização dos falantes das diversas línguas. Ver, por exemplo:


A Agência de Acreditação

O Conselho de Ministros da passada quinta feira aprovou um projecto de lei para a criação da Agência de Avaliação e Acreditação para a Garantia da Qualidade do Ensino Superior, que está em discussão pública até dia 17 de Fevereiro.

Aparentemente, a notícia foi recebida sem surpresa e até com comentários favoráveis, por exemplo de JV Costa, que apelidou a lei de "relativamente pacífica". Não concordo, enbora o “relativamente” dê muita margem de manobra. [interpretei mal as palavras do JV Costa - ver comentários a este post]

Para já, odeio o nome. Por favor, mudem lá o nome da coisa! É demasiado longo e até a sigla é horrível: AAAGQES.

Que tal A3ES? Para Agência de Avaliação e Acreditação da Educação Superior (com a devida vénia ao JV Costa, que prefere - e bem - "educação" em vez do redutor "ensino").

Mais sérios são outros problemas do diploma, que são muito bem analisados por Pedro Lourtie no Diário Económico de dia 6 de Fevereiro. Algumas das questões que ele aí levanta saltaram-me igualmente à vista, mas uma delas escapou-me por completo: Lourtie sugere que o âmbito territorial de actuação da agência deveria ser pensado de modo a abranger os países de língua portuguesa.

É verdade que o diploma não o exclui explicitamente, mas os fins expressos parecem excluir na prática esta possibilidade. A ser assim é uma oportunidade perdida, por várias razões. Para além das óbvias, estes países teriam todo o interesse em ver as suas instituições acreditadas por uma agência com abrangência europeia, com a vantagem de se poderem assim captar receitas adicionais, importantes para uma agência que é suposto ser auto-financiada.

O que me leva à questão do financiamento da agência, que não devia ser pacífico. Após uma dotação orçamental inicial por parte do Estado, a agência terá de subsistir com as receitas que gerar. Se tal pode ser uma garantia de independência, também pode acarretar problemas graves de funcionamento por falta de financiamento adequado.

Aliás, as recomendações da ENQA são no sentido das Instituições de Ensino Superior (IES) contribuírem com entre 25 a 50%, excepto no caso da acreditação de novos cursos. Como refere Lourtie, esta até poderia ser uma questão neutra, quer para as IES, quer para a agência, se o Estado transferisse as verbas necessárias para a acreditação para as IES. Ora, ele também refere que este não é um cenário provável, em face do que tem sido o financiamento público das IES em Portugal.

Outro ponto para o qual Lourtie chama a atenção é a desvalorização que é feita no diploma da cultura de auto-avaliação. Novamente, contra as recomendações da própria ENQA (ver, por exemplo, Standards and Guidelines for Quality Assurance in the European Higher Education Area) e contra as directrizes adoptadas pelos ministros europeus em 2003 e em 2005 (Declarações de Berlim e de Bergen, respectivamente).

Um diploma a merecer reflexão e melhorias urgentes.

Hipocrisia governamental

Hoje, na Assembleia da República, a postura do partido do governo foi de uma hipocrisia a toda a prova, ao continuar a recusar a atribuição do direito ao subsídio de desemprego aos docentes e investigadores do ensino superior (ver notícia do Público).

O PS persiste na ilegalidade de negar um direito constitucional a muitos trabalhadores, apenas para poupar dinheiro. É vergonhoso.

Para mais, a promessa de regularizar esta situação até ao final de 2007 aponta exactamente neste sentido, para além das dúvidas que levanta relativamente ao seu cumprimento efectivo.

De facto, os sindicatos têm divulgado informações que põe estas intenções do governo em dúvida. Veja-se a carta aberta a Augusto Santos Silva e a Alberto Martins.

Vergonhoso e lamentável.