domingo, outubro 29, 2006

Universidades no mercado europeu

No JN de hoje vem uma notícia interessante sobre a verdadeira avalanche de alunos portugueses na Charles University, em Pilsen, na República Checa.

O artigo em si contém erros factuais grosseiros, o que é grave num jornal, para mais nacional e de grande tiragem, como é o Jornal de Notícias. A certa altura, o artigo reza assim:
[...] Na República Checa, por exemplo, no pólo da universidade inglesa Charles University, em Pilsen, quase metade dos alunos são portugueses. E nos outros pólos da instituição, em Praga e Brno, a comunidade lusa também é uma das maiores ao nível de estudantes estrangeiros.
"Pólo da universidade inglesa Charles University, em Pilsen"??? Bem, a Charles University, como é conhecida internacionalmente, chama-se Univerzita Karlova em checo e Karlsuniversität em alemão, foi fundada no século XIV precisamente na região onde ainda se encontra e nunca teve nada de inglesa! Alemã sim, que a língua usada até ao final do século XIX era o alemão.

Conferir em http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_University_of_Prague

A Faculdade de Medicina de Pilsen, citada no JN, é um pólo da Charles University de Praga, República Checa.

Enfim, tirando estes pormenores (importantes) o essencial do artigo é que os estudantes vão para esta faculdade estudar medicina por três razões:
  1. não conseguem entrar nas universidades portuguesas devido ao brilhante sistema de admissão;
  2. o ensino é (este sim) ministrado em inglês;
  3. e, esta é uma razão particularmente interessante, porque o curso fica relativamente BARATO.
Quanto? De acordo com as contas do site da própria Faculdade de Medicina, cerca de 13.000 euros por ano, incluindo: propinas (8500 euros, o que cobre alguns materiais de estudo e acesso a boas infraestruturas), alojamento, alimentação, vestuário, transportes e documentação!

E a Faculdade ainda se compromete a manter o valor das propinas constante até ao final do curso!

Com as nossas subidas de propinas, qualquer dia é mesmo mais barato ir lá tirar o curso (seja ele qual for!) porque a diferença nos outros custos compensa largamente.

As universidades portuguesas que se cuidem!

As britânicas, que têm subido as propinas muito mais do que nós, já se deram conta deste problema. Veja-se este artigo recente do Guardian. Neste caso os alunos vão para a Suécia, onde parte dos cursos são também leccionados em inglês, uma vantagem óbvia para os britânicos, mas também para os portugueses, principalmente com o PM Sócrates a incentivar (obrigar?) as criancinhas a aprender inglês desde tenra idade.

A equação é simples:

custos baixos e qualidade de ensino elevada em instiuições europeias prestigiadas = fuga de alunos.

A visão da Open University e da HP

A Open University criou dois sítios na Internet verdadeiramente fantásticos, como se pode constatar pela informação da respectiva página inicial:

Welcome to The Open University's OpenLearn website - free and open educational resources for learners and educators around the world.

You are in the LearningSpace where Open University learning materials are freely available for you to study in your own time, away from any formal teaching environment.

Visit the LabSpace to share and reuse educational resources. Download some learning materials, adapt to your needs: translate, shorten, extend, add examples... and then of course, place it back for others to benefit!

OpenLearn is generously supported by The William and Flora Hewlett Foundation. Help support our work by making a donation.

Aqui está uma iniciativa realmente louvável, com a particularidade de ser financiada por uma fundação americana (em nada menos do que £5.65 milhões de libras, de acordo com esta notícia da BBC).

É caso para dizer que sempre valeu a pena comprar todas aquelas impressoras e tinteiros HP (entre outras coisas, recordo agora também um computador portátil...)!

domingo, outubro 22, 2006

O processo MIT

Tal como referi no post anterior, na edição da passada terça feria (17/10/2006) o Diário Económico (DE) noticiou algumas reacções aos acordos do governo português com universidades americanas, num artigo intitulado "Gago acusado de favorecimento em todos os acordos internacionais".

Na mesma edição, o DE publica ainda as respostas do ministro Gago às acusações de favorecimento na escolha das universidades. Diz o ministro que o processo resultou da “decisão política de topo combinada com a avaliação científica externa”.

Apesar de o ministro ter respondido por escrito, há pelo menos uma afirmação que é nitidamente abusiva:
"O próprio processo de construção do programa é em si um novo modelo de trabalho, em que a decisão política de topo se combina com a avaliação científica externa, o trabalho de base e o envolvimento directo dos actores que vão dar efectivamente corpo ao programa."
Que o ministro entenda que tem legitimidade para tomar a "decisão política de topo" ainda percebo, mas referir que o processo envolveu uma "avaliação científica externa", dando a entender que foi também independente (as avaliações externas de instituições têm precisamente este sentido) é desonesto.

No caso
do acordo com o MIT, a avaliação científica externa foi realizada pelo próprio MIT, logo não é nada independente.

Não conheço ainda os detalhes dos restantes casos (CMU e UTA), mas parece-me que "o modelo de trabalho" foi o mesmo.
Pelo menos, a documentação divulgada só contém uma avaliação internacional, feita pelo MIT (ver Relatório final da avaliação da colaboração Portugal-Instituto de Tecnologia do Massachusetts).

Aliás, esta argumentação já foi usada pelo ministro na :2, quando foi entrevistado pelo Vasco Trigo no dia da assinatura do acordo com MIT, ao insistir que o processo tinha envolvido avaliação internacional, seguindo as melhores práticas internacionais, o que não parece ser verdade.

As motivações do MIT, da CMU e da UTA

O Diário Económico continua a seguir com algum cuidado as questões do momento da vida das universidades. Na edição da passada terça feria (17/10/2006) noticiou algumas reacções aos acordos do governo português com universidades americanas, agora a propósito do acordo com a Carnegie Mellon University (CMU).

Nesta notícia refere-se:
A Universidade de Carnegie - Mellon (CMU), o próximo parceiro internacional, poderá instalar um pólo em Portugal. O projecto em estudo previa a criação de um ‘Cyb Lab’, um centro de investigação em ciber-segurança, seguindo os modelos de cooperação que já foram instalados na Coreia e no Japão.
O memorando de entendimento assinado há nove meses prevê ainda o lançamento de um programa de pós-graduações - mestrados, doutoramentos e investigação - com a universidade norte-americana.
Ora a possibilidade da CMU instalar um pólo em Portugal (ou qualquer outra universidade) remete imediatamente para os motivos, que ficam mais claros lendo um artigo publicado pela Newsweek intitulado The Boom in Satellite Campuses:
For their part, the incoming institutions get the chance to internationalize their reputations and build a global brand. "Sitting here in the United States, we see the world changing and evolving, with economic development moving to the Pacific, and we would like to be part of that world," says Mark Kamlet, provost of Carnegie Mellon University in Pennsylvania, which has a second base in Qatar. A stint overseas gives the teaching staff a broader international perspective as well as the chance to scout for possible postgraduate talent, while home students welcome the possibility of study overseas at a familiar institution.
Repare-se na coincidência da citação ser precisamente dum responsável da CMU, embora referente a outro contexto geográfico.

Mais importante é a última frase: como já alertei neste blog, há o perigo real dum "brain drain" acrescido, ao permitir detectar as pessoas realmente brilhantes ou promissoras (chance to scout for possible postgraduate talent), sem que as instituições portuguesas tenham possibilidades realistas de competir no respectivo recrutamento.

sábado, outubro 21, 2006

Ranking de universidades do Times

A propósito da posição das universidades portuguesas no ranking mundial do britânico Times (presumo que no seu Higher Education Suplement), JV Costa escreveu ontem nos seus Apontamentos que não via relação entre a posição no Top200 e numa série de outros indicadores (população, PIB, % PIB gasto no Ensino Superior e despesa/aluno).

Acho que comparar posições não ajuda, por isso decidi fazer uma tabela comparativa semelhante, mas com os valores em vez das posições de cada país. Ficou assim:

As fontes foram a compilação de dados do PIB per capita da Wikipédia e o Education at a Glance 2006 (www.oecd.org/edu/eag2006).

A coluna 6 (ES/PIB per capita) foi obtida pelo produto das coluna 4 e 5.

Aparentemente, não há grandes correlações, mas uma análise mais aprofundada revelou uma correlação positiva, embora pequena, entre o nº de universidades do país no Top200 e a respectiva despesa por aluno. O que não me espanta.

Por outro lado, usando análise de clusters obtive 3 clusters: num deles aparecia Portugal isolado, outro englobava a Suiça, a Dinamarca, a Irlanda e a Noruega e o terceiro agrupava os restantes 10 países em análise. A única coisa saliente parece-me ser que esta análise coloca Portugal como um caso sem nada em comum (ou tão pouco que não permitiu juntá-lo com outros países) com o resto dos países.

Depois, olhando para a tabela parece-me que há dois factores importantes. Um é a escala. De facto, todos os países com mais de 6 milhões de habitantes precisam de um gasto por aluno acrescido (>10.000 $PPP). Caso contrário, não obtêm boa classificação no Top200.

O outro factor relaciona-se com este. Independentemente da escala, se o gasto por aluno for inferior a 9.000 $PPP, o país não obtém boa classificação no Top200. A Espanha e a Itália são exemplos disto: apesar da população (43 e 58 milhões de habitantes), gastam pouco por aluno e, consequentemente, têm apenas uma universidade cada no Top200.

Portugal sai realmente fora do baralho: gasta muito menos por aluno e, apesar de ser o 7º mais populoso da lista, não tem universidades no Top200. Como seria de esperar.

Em resumo, desta análise (possivelmente errónea), parece-me que há um factor decisivo: o gasto por aluno em valor absoluto. É necessário gastar um valor mínimo para obter resultados de qualidade. Depois, ter escala (em termos de população) permite, aparentemente, alguma economia: os países mais populosos desta lista estão muito longe de serem os mais gastadores (por aluno ou em PIB per capita).

Isto faz algum sentido: os custos nas universidades não devem ser muito diferentes de país para país e, portanto, quem investe menos tem menos condições e logo menor qualidade. Não esquecendo que há, aparentemente, um valor mínimo que é preciso gastar. Acima desse mínimo parecem existir outros factores que condicionam o desempenho.

No fundo, o problema é de eficiência da economia: temos um PIB per capita muito baixo, o que dificulta que se gaste o mínimo essencial para resultados de qualidade nas nossas universidades.

Ora aqui está um resultado interessante para contrapôr à redução das transferências que as universidades irão receber do Orçamento de Estado em 2007. Para não falar dos 7,5% sobre a massa salarial total que passarão a ter de pagar em 2007, relativos ao pagamento para a Caixa Geral de Aposentações, de que estavam isentas até agora (ver Semanário Económico, 20/10/2006, pág. 8 suplemento OE2007).

segunda-feira, outubro 16, 2006

Dos livros e bilbiotecas

O Guardian tem um artigo fascinante sobre a utilização de livros e bibliotecas nas universidades (no Reino Unido, claro) . Pode ser lido na íntegra aqui.

Tem pormenores muito interessantes, mas deixo aqui apenas alguns trechos, para abrir o apetite...
"They [the students] prefer to be in the library. They want to use books as well as technology. The library remains at the centre of university life."

[...]

Nick Currie, a criminology lecturer at UCLan, says: " Students complain that there are not enough books in the library. We have 300 first-year criminology students and there will be perhaps 10 copies of each core text. On the one hand, what I find annoying is that they just come to class and say the book wasn't there, instead of reading something else. They also resent spending money on books. They would rather spend it on beer.

"But on the other hand, I think with topup fees especially, there are certain things they are entitled to expect, and plenty of books is one of them."

[...]

"Reading is an integral part of the learning process. I don't see how you can learn anything in depth if you don't read books. If you think Marx shouldn't have wasted his time writing 20 volumes of Capital when he only had two or three ideas that could be summarised in a paragraph, then the internet is fine. But if you want to understand ideas, you have to read books because that is where the ideas are."

domingo, outubro 15, 2006

Liberalizações no mercado da energia eléctrica

Para o caso de (ainda) alguém ter dúvidas sobre o efeito da liberalização do mercado de energia eléctrica, o caso americano, com uma experiência de 10 anos, pode ajudar. No New York Times de hoje (o acesso, apesar de gratuito, requer registo) saiu o 1º artigo de uma série sobre este assunto:
POWER PLAY
Competitive Era Fails to Shrink Electric Bills
By DAVID CAY JOHNSTON
A decade after the electricity business was opened to competition, the market has not produced a drop in prices.
Apenas uma breve citação:
[...] A decade after competition was introduced in their industries, long-distance phone rates had fallen by half, air fares by more than a fourth and trucking rates by a fourth. But a decade after the federal government opened the business of generating electricity to competition, the market has produced no such decline. [...]
[...] The disappointing results stem in good part from the fact that a genuinely competitive market for electricity production has not developed. [...]
Embora a analogia entre as telecomunicações e a energia eléctrica seja frequente, não há praticamente nada em comum entre as duas industrias actualmente.

Os resultados produzidos pela liberalização do mercado das telecomunicações, em termos de preços ao consumidor, resultam principalmente de mudanças tecnológicas revolucionárias no sector. Nada de semelhante ocorreu na produção e distribuição de energia eléctrica. Aliás, podemos esperar algo semelhante em relação ao sector da água, com resultados igualmente desastrosos para o bolso do consumidor. Neste caso, há ainda preocupações adicionais relativamente à garantia da qualidade do produto.

A única vantagem (admitindo que as empresas não entram em esquemas duvidosos de aumento desonesto de lucros...): pagar o custo real da energia eléctrica e da água que consumimos pode levar a poupanças e a uma redução da pegada ecológica (ver entrada neste blog), com efeitos agradáveis sobre a sustentabilidade global da nossa existência.

sábado, outubro 14, 2006

Detalhes dos acordos com MIT, CMU e UTA

Saiu hoje em Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros nº 132/2006, que explica com algum detalhe os programas acordados entre a FCT e o MIT, a CMU e a UTA, bem como os montantes envolvidos.

Vale a pena ler. Continuo a achar que nos vai custar demasiado dinheiro para os benefícios potenciais e continuo a achar contraditória esta despesa com deixar as universidades em graves dificuldades financeiras. O que é prioritário?

Também é interessante ver como os parceiros americanos vêem e publicitam estes mesmos programas. Para tal basta dar um salto ao site do MIT. Nos sites da CMU e da UTA ainda não encontrei nada sobre este assunto.

Mas encontrei na UTA a notícia de que receberam da NSF 59 milhões de dólares para construirem um supercomputador (400 Teraflops). Para comparar, a Espanha tem em Barcelona o 11º supercomputador a nível mundial (com cerca de 42 Teraflops, dados da lista de Junho de 2006). Ver na lista Top 500 Supercomputers.

Ora, 59 milhões de dólares são cerca de 47 milhões de euros. Como o governo português vai gastar mais de 70 milhões de euros só em pagamentos às três instituições americanas (sem contar com o que vai pagar às nacionais...), surgiu-me a ideia: porque é que não investimos antes o dinheiro numa infraestrutura de supercomputação?

Lendo o site do Centro de Computação da UTA e o comunicado da NSF percebe-se imediatamente a importância ENORME duma infraestrutura deste género (investigação, parcerias com a indústria, desenvolvimento de conhecimento nas áreas da computação avançada, etc.).

Além disso, a infraestrutura ficaria sempre em Portugal (embora com custos de manutenção elevados). Podemos dizer o mesmo dos recursos humanos que irão ser formados no âmbito dos programas com o MIT, a CMU e a UTA? Não corremos o sério risco de estar a co-financiar a formação de pessoas que irão trabalhar precisamente para estas instituições, se se revelarem realmente excelentes?

Está bom de ver que não temos hipóteses de os reter em Portugal com as oportunidades de emprego que por cá abundam para profissionais altamente qualificados.

As universidades não os poderão contratar. Não têm dinheiro para lhes pagar. E mesmo que tivessem, poderiam competir com os salários oferecidos pelas congéneres dos EUA?

quinta-feira, outubro 12, 2006

A pegada ecológica

Aqui está um conceito verdadeiramente genial.

Como explica a página oficial:
The Ecological Footprint is a resource management tool that measures how much land and water area a human population requires to produce the resources it consumes and to absorb its wastes under prevailing technology.
Pode calcular-se a diversos níveis:
By measuring the Ecological Footprint of a population (an individual, a city, a nation, or all of humanity) we can assess our overshoot, which helps us manage our ecological assets more carefully. Ecological Footprints enable people to take personal and collective actions in support of a world where humanity lives within the means of one planet.
Quem estiver interessado pode mesmo calcular a sua própria pegada ecológica e no final calcular o impacto de diversas medidas possíveis para a reduzir.

Só para ter uma ideia, a pegada ecológica de Portugal é de 4,2 ha por habitante, mas o país só tem 1,7 ha por habitante de biocapacidade, pelo que tenho um défice ecológico de 2,5 ha por habitante (para além do défice orçamental!).

Pode discutir-se o cálculo deste indicador e a usa fabilidade, mas tem uma vantagem óbvia: permite facilmente verificar a situação. Em termos de ordem de grandeza não anda longe de outros indicadores.

Por exemplo, é sabido que o consumo de energia per capita nos EUA é cerca do dobro da UE. Ora, a pegada ecológica americana é 9,7 ha/habitante (o que resulta num défice de 4,9 ha/hab), enquanto a europeia é 4,7 ha/hab (o que ainda assim dá um défice de 2,4 ha/hab).

Repare-se que a relação é semelhante, o que faz sentido. A pegada ecológica dos EUA é cerca do dobro da europeia.

Não deixa de ser interessante que se os EUA tivessem uma pegada ecológica semelhante à europeia não teriam défice ecológico!

Também é interessante notar que só há um país no mundo com uma pegada ecológica superior à dos EUA: os Emiratos Árabes Unidos, com 10,5 ha/hab (e o maior défice ecológico: 9,6 ha/hab)!!

Números que nos devem fazem pensar (retirados do ficheiro Excel disponível na página da European Environment Agency).

Documentação oficial sobre o acordo com o MIT

Já parece obsessiva esta referência permanente ao acordo com o MIT, mas como um dos problemas que apontei ao processo foi o de falta de transparência, devo anunciar que finalmente encontrei documentação oficial sobre este acordo.

Penso que vale a pena analisá-la e tentar perceber os pormenores concretos.

Ainda não tive tempo de ler tudo, mas os documentos estão disponíveis no Portal do Governo.

O orçamento para o ensino superior

No Diário Económico de dia 10 de Outubro, para além do destaque dado à questão do acordo com o MIT, aparece ainda um artigo de opinião assinado por Pedro Lourtie, como de costume muito pertinente. Pode ser lido na íntegra aqui.

Começa por reconhecer factos importantes:
A pressão do controlo orçamental do Estado tem levado a que a verba que é consignada ao ensino superior no Orçamento de Estado seja insuficiente para atribuir às instituições públicas o orçamento resultante da aplicação da(s) fórmula(s) de financiamento e para financiar a Acção Social Escolar. Com a redução do número de alunos num número significativo de instituições, resultam situações que, para 2007, põem em causa a sua solvabilidade financeira.
E ainda pormenores que conhece bem:
As instituições de ensino superior têm uma margem de manobra orçamental limitada. Uma parte substancial das suas despesas referem-se a salários, designadamente a salários de funcionários que não podem alterar. [...]
Com o orçamento reduzido ao mínimo, admitindo que permite pagar salários e as despesas fixas indispensáveis para manter a instituição a funcionar, é de esperar prejuízos na qualidade da sua prestação, sobretudo gravosos quando se pretende introduzir as reformas que o Processo de Bolonha deveria implicar.
O que se estranha é que o governo pretenda por um lado que "este acordo [com o MIT] é a expressão de que queremos uma educação de excelência no nosso Ensino Superior" e por outro asfixia financeiramente o mesmo Ensino Superior. Em que ficamos?

Pedro Lourtie termina o artigo com a conclusão o óbvia, mas que toda a gente (e aqui as isntituições de Ensino Superior estão incluídas) parece quere evitar:
Uma coisa é certa: andar a discutir nas margens do problema não o resolve. É necessário discutir o assunto abertamente e sem tabus, pondo as diversas opções em cima da mesa e fazendo escolhas políticas.
De caminho, analisa algumas das opções possíveis em termos das tais escolhas políticas, antecipando recomendações da avaliação em curso da OCDE, mas remete a sua opinião pessoal para futuros artigos de opinião.

A seguir com atenção!

quarta-feira, outubro 11, 2006

Ainda o acordo com o MIT

A escolha das universidades que participam neste acordo (nesta fase apenas 7) é outra questão contensiosa. Os reitores, através do CRUP, já expressaram algumas críticas, mal respondidas pelo ministro Gago. De acordo com o Público:

Reitores descontentes
Descontente pela forma como o processo foi conduzido, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), diz que a ausência de candidaturas e de concursos públicos, "num acordo desta envergadura, impede a transparência e a objectividade". Recomenda, no entanto, "às universidades seleccionadas directamente pelo Ministério" que assinem o contrato.
Mariano Gago responde que "o trabalho com o MIT foi todo feito com os centros de investigação e com as universidades, que são os parceiros do acordo. O Conselho de Reitores não é parceiro, representa as universidades colectivamente. O trabalho de reforma do sistema universitário e do sistema científico é de diferenciação, não de puxar para baixo".
Que não houve tranparência no processo é um facto. O que isso tem a ver com "diferenciação" ou com "puxar para baixo" não se percebe! O que se verifica é que o MCTES parece cada vez mais interessado em substituir-se às universidades em coisas aparentemente tão corriqueiras como fazer acordos com outras instituições!

Claro que não será só o CRUP a ter, eventualmente, objectivos menos confessáveis (como insinua o ministro Gago). Repare-se noutra notícia do Público:

As recomendações do grupo de trabalho vão ao ponto de sugerir o nome de Paulo Manuel Cadete Ferrão como futuro director do programa. Paulo Ferrão é actualmente director do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. “Ficámos muito impressionados por todas as nossas interacções com ele durante este período de avaliação”, refere o relatório [relatório de avaliação, preparado por uma comissão do MIT e datado de 29 de Agosto passado]. “Ele tem o melhor conhecimento do objectivo central do desenvolvimento de programas de engenharia de sistemas em Portugal”.
O interessante é que "Paulo Ferrão é actualmente director do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, no Instituto Superior Técnico", centro criado e dirigido até 2005 pelo actual Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor.

Curiosamente, o actual ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior também é do IST.

O IST era a única instituição com quem inicialmente seria feito o acordo com o MIT, o que deu na altura enorme polémica, que acabou no actual acordo, mais inclusivo.

Não deixo de reconhecer a enorme competência do Manuel Heitor e do seu Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, mas não ajuda a acreditar na transparência do processo. Aliás, existe pelo menos outro Centro de Investigação ligado ao Desenvolvimento e ao Ensino Superior que, tanto quanto sei, não foi envolvido neste processo de acordo com o MIT, mas faria todo o sentido que tivesse sido: o CIPES, ligado à Fundação das Universidades Portuguesas (não confundir com o CRUP!).

O CIPES produziu inclusivamente um estudo intitulado "The Internationalisation of Portuguese Higher Education Institutions", que me parece de toda a pertinência para este assunto, uma vez que o governo enunciou como objectivo principal do acordo com o MIT:
O Governo assinou a 25 de Fevereiro um acordo de colaboração com o Massachusetts Institute of Technology (MIT) que, segundo declarações do primeiro-ministro, na altura, visa a internacionalização do conhecimento português e pô-lo a o serviço do crescimento económico do país. (in Público Online)
O acordo entre o governo português e o MIT

Várias notícias têm vindo a público, com pormenores relativos ao acordo, que é assinado hoje, entre o governo português e o MIT. Por exemplo: no Diário Económico de ontem e no Público de hoje.

Destas notícias há alguns factos a salientar. Desde logo os montantes envolvidos. Noticia o DE:

Apenas metade das verbas previstas no Acordo com o MIT, 32,5 milhões, será canalizada para as instituições de ensino superior e de investigação portuguesas .

O total do Programa MIT- Portugal prevê um investimento de 65 milhões de euros no prazo de cinco anos, investimento publico que será transferido até 2011. Mas o “montante global de financiamento público estimado para financiar programas de colaboração com o MIT e outras instituições portuguesas envolve um valor estimando de 140 milhões de euros” para a “capacitação científica das instituições nacionais e ao desenvolvimento de programas de doutoramento.
Para já o programa prevê o lançamento de 4 programas de especialização e formação avançada, quatro programas de doutoramento e quatro áreas de investigação que permitirão concluir cerca de 320 diplomas de especialização nos próximos cinco anos."

São montantes elevados, cuja justificação não é inteiramente clara. Os objectivos enunciados poderiam provavelmente ser atingidos sem este investimento. Sempre houve colaboração com outras instituições, nomeadamente americanas, com financiamentos diversos.

A grande diferença é que se privilegia uma instituição em particular, sem que se perceba bem porquê.

O desejado efeito de contágio da "marca MIT", com o consequente aumento do prestigio das instituições parceiras portuguesas parece-me uma ilusão de concretização pouco provável.

Basta ver que os rankings de universidades costumam assentar em critérios mais objectivos de produtividade (ver, por exemplo, o Academic Ranking of World universities 2006, onde o MIT aparece em 5º lugar, atrás de Cambridge, que é 2ª neste ranking).

sexta-feira, outubro 06, 2006

Há algum tempo (26 de Fevereiro de 2006), já aqui contei a história da minha experiência com as críticas que fiz ao optimismo reinante sobre o acesso à Internet nas escolas públicas portuguesas. Isso aconteceu em 1999. Curiosamente, o problema mantém-se. Repare-se na notícia seguinte, retirada do Diário Digital:

UMIC: Dados sobre a Net nas escolas estão longe da realidade
A UMIC - Agência para a Sociedade do Conhecimento garantiu hoje que os dados de um estudo europeu sobre a utilização da Internet nas escolas portuguesas «não correspondem à realidade», apontando um «erro metodológico» na sua elaboração.

Segundo um relatório divulgado hoje pela Comissão Europeia, em 2006, 93% dos estabelecimentos de ensino em Portugal têm acesso à Internet, mas só três em cada quatro (73%) dispõem de uma ligação em Banda Larga.

«Todas as escolas públicas têm ligação à Internet em Banda Larga desde o final de Janeiro. Deve haver um erro de natureza metodológica, uma vez que o estudo se baseia em inquéritos a professores, que podiam não ter toda a informação disponível», afirmou o presidente da UMIC, Luís Magalhães. «Os dados reportados não correspondem à realidade», acrescentou.

O estudo, realizado na Primavera de 2006, englobou um total de 30 mil professores dos 25 países que compõem a União Europeia mais a Noruega e a Islândia, mas limita-se a utilizar o termo «escolas», sem especificar se públicas ou privadas.

«Mesmo que o relatório incluía escolas privadas sem Internet de Banda Larga, esse valor não explica a disparidade. Essa percentagem no global é muitíssimo inferior ao valor reportado», disse Luís Magalhães.

O documento indica ainda que em Portugal existem 6,4 computadores por cada 100 alunos, dado contestado pelo presidente da UMIC.

Segundo o responsável, e com base no recenseamento escolar de 2005/2006, publicado em Dezembro, existem 8,9 computadores por cada cem alunos, entre escolas públicas e privadas.

Também o presidente da Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN), Pedro Veiga, reiterou que a percentagem de escolas públicas com ligação à Internet no final de Janeiro era de 100%.

«Pelo que sei o estudo refere escolas, e em Portugal nem todas as escolas privadas que podem ter sido incluídas possuem Banda Larga», afirmou Pedro Veiga.

Salientando que a percentagem de 100 por cento foi confirmada objectivamente nos estabelecimentos de ensino, o presidente da FCCN questiona ainda se os professores inquiridos estavam devidamente informados.

«Não se devia inquirir professores, mas sim medir efectivamente. Cada docente reporta sobre aquilo que é a sua experiência directa», acrescentou, por seu turno, Luís Magalhães.

O Governo assinalou em Janeiro, numa cerimónia na escola básica do primeiro ciclo de Oriola (Portel), o final do processo de ligação de todas as escolas públicas do país à Internet através da Banda Larga.

Na mesma cerimónia, o primeiro-ministro, José Sócrates, considerou a conclusão deste processo um salto tecnológico que colocou Portugal como um dos países de topo nesta matéria na União Europeia.

Segundo o estudo divulgado hoje, em matéria de Internet de alta velocidade, o país ultrapassa ligeiramente a média da União Europeia, ocupando o 16º lugar entre os 27 países analisados, atrás de países como a Dinamarca, Estónia, Malta, Holanda e Islândia, todos acima dos 90 por cento.

Diário Digital / Lusa, 30-09-2006, 2:50:00

Claro que há aqui "erros metodológicos"! Inquirir professores permite aferir utilização REAL. Quem melhor do que os utilizadores pode dizer se o acesso existe realmente?

O grnade problema de toda esta questão do acesso à Internet nas escolas reside precisametne na palavra acesso. Um exemplo: quando contamos os computadores existentes nas escolas, contam só os de acesso público (a todos os professores e alunos) ou contam também os dos serviços administrativos, comissão executiva, etc.? E quantos dos de acesso público, quantos estão verdadeiramente utilizáveis (i.e., devidamente configurados, mantidos, seguros com anti-vírus e firewalls, etc.?)? Quantos permitem que se imprima ou se possam retirar ficheiros para um suporte externo (pen drive, por ex.)?

É aqui que reside o verdadeiro problema!